quarta-feira, 8 de abril de 2009

Artolas

«[...]
- Escreve aí no quadro uma oração subordinada
e deu-me um estalo porque escrevi soburdinada. Até hoje acho soburdinada mais bonito.
O professor era uma besta de violência, distribuía chapadas pela aula e eu queria ficar grande num instante para lhe aplicar uma sova. Quando fiquei grande procurei-o na lista telefónica para lhe devolver os estalos: nunca o encontrei e ninguém sabia dele. Nos intervalos de bater tirava pêlos do nariz ou mandava-nos comprar-lhe cigarros. Oxalá tenha tido uma morte macaca. O apagador de giz voava, direitinho à gente, chamava-se senhor André e o cão dele, um infeliz como nós, Pirata. O cão não escrevia no quadro orações subordinadas mas, tal como nós, comia pela medida grande, pontapés atirados com alma. […]

[…] Entrei no carro, vim para aqui fazer isto. Acabei o livro, estou vazio. No meio da prosa chegam traduções minhas em grego que a agência mandou por esses correios especiais em que a gente tem de assinar um papel. Assino sempre na linha errada e o empregado diz sempre
- Não faz mal.
Desta foi em grego, da última em macedónio ou polaco. E aparece logo o senhor André a anunciar aos gregos, aos macedónios, aos polacos
- Escreve soburdinada, o camelo
num desprezo sem fim, e os gregos, os macedónios e os polacos a concordarem, escandalizados. Devem achar os estalos merecidos:
- Soburdinada, que horror, anda a gente a publicar este artolas
e o artolas, distraído deles, a pensar na morte da bezerra. Não: o artolas, distraído deles, a respirar o vapor do caneiro, espantado com os ratos. Não: o artolas a hesitar como se acaba esta crónica. Não a acabes, artolas: fica assim.»

Crónica in Visão (19 de Março de 2009)

2 comentários:

Abssinto disse...

As crónicas, claro!! este tipo tinha mais fulgor se escrevesse contos!

Que professor mais f...!o desta crónica!

Rui Sousa disse...

as crónicas, sempre as crónicas!

aquele professor era mesmo um ganda c***ão... :-)