sábado, 11 de abril de 2009

«««»»»

«[…] Um dos traços mais constantes nesta panorâmica é o do gesto pela melodia. A música portuguesa, quer tradicional quer erudita, raras vezes demonstra grande simpatia pelo contraponto mais complexo e valoriza, pelo contrário, o desenho da curva melódica e a expressividade natural da cantilena. […] gostamos de nos embalar em linhas de um lirismo intenso, carregadas de emoção, muitas vezes em tonalidades menores e de ambientes escuros, e é só um certo pudor instintivo do temperamento português que consegue evitar que resvalemos para o mero sentimentalismo.

“Matriz”, que Teresa Salgueiro e os seus músicos agora nos oferecem, constitui uma boa prova do que atrás afirmei. Lado a lado, cantigas de trovadores, canções tradicionais do Portugal profundo, um romance de corte quinhentista, o vira, o malhão e o corridinho, o fado castiço e o fado canção, a canção urbana, Armandinho e Alain Oulmain, Carlos Paredes e Fausto, e o próprio Lopes Graça, […], cruzam-se num mosaico aparentemente disperso de épocas e referências mas cuja unidade essencial depressa se afirma e nos conquista. Em maior ou menor grau sentimo-nos retratados neste universo, esta é a nossa casa, estes somos nós.

Claro está que o grande elemento unificador desta “Matriz” é a força da voz de uma Teresa Salgueiro em plena maturidade, intensa mas discreta, num canto que articula com precisão o texto mas o envolve num veludo de timbre que dá largas à beleza da cantilena. […]»

Rui Vieira Nery
Universidade de Évora

Sem comentários: