segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Desassossego

(...)
Um colo ou um berço ou um braço quente em torno ao meu pescoço... Uma voz que canta baixo e parece querer fazer-me chorar.... Um ruído de lume na lareira... Um calor de inverno... Um extravio morno da minha consciência... E depois sem som, um sonho calmo num espaço enorme, como lua rodando entre estrelas.
(...)
Ergo os olhos e vejo as estrelas que não têm sentido nenhum... E de tudo isto fico apenas eu, uma pobre criança abandonada, que nenhum Amor quis para seu filho adoptivo, nem nenhuma amizade para seu companheiro de brinquedos.Tenho frio de mais. Estou tão cansado no meu abandono. Vai buscar ó Vento, a minha Mãe. Leva-me na noite para a casa que não conheci... torna a dar-me ó Silêncio, a minha ama e o meu berço e a minha canção com que eu dormi.

Bernardo Soares in Livro do Desassossego
Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa, semi-heterónimo de Fernando Pessoa

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