«a letra p não é primeira letra da palavra poema, o poema é esculpido de sentidos e essa é a sua forma, poema não se lê poema, lê-se pão ou flor, lê-se erva fresca. lê-se sorriso estendido em mil árvores ou céu de punhais, ameaça, lê-se medo e procura de cegos, lê-se mão de criança ou tu, que dormes, lê-se país e mar e céu esquecido e memória, lê-se silêncio, lugar que não se diz e que significa, silêncio do teu olhar, silêncio ao domingo entre as conversas, silêncio de ti, pai. a letra p não é a primeira letra da palavra poema, o poema é quando eu podia dormir até tarde nas férias do verão e o sol entrava pela janela, o poema é onde eu fui feliz e onde eu morri tanto, o poema é, quando eu não conhecia a letra p e comia torradas feitas no lume da cozinha do quintal, o poema é aqui, quando levanto o olhar e deixo as minhas mãos tocarem-te, quando sei, sem rimas e sem metáforas, que te amo, o poema será quando as crianças e os pássaros se rebelarem e, até lá, irá sendo sempre e tudo. o poema dentro de si é perfume e é fumo, é um menino que corre para abraçar o pai, é a exaustão e a liberdade sentida, é tudo o que se quer aprender se o que se quer aprender é tudo.»
José Luís Peixoto
A criança em ruínas
José Luís Peixoto
A criança em ruínas
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