quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Parabéns!

Mafalda, a personagem de BD idealizada pelo argentino Quino celebra hoje 45 anos.

Os meus livros

A revista Os Meus Livros já está disponível na blogosfera.

O "guia da boa leitura" pode ser espreitado em

Boas leituras :-)

Tem 3 tentativas...

capa do ípsilon da próxima 6.ª-feira

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Give me that slow knowing smile

CNB: a viagem continua...

Após Coimbra, Bragança e Açores, a CNB continua a “Dançar o País”… A próxima aparição acontece já no dia 2 de Outubro em Aveiro (Teatro Aveirense).

Uma óptima oportunidade para ver ou rever (será o meu caso, lá estarei!!!) um magnífico conjunto de 3 peças…

Eis o programa:







À FLOR DA PELE

procuro um rasto de ti.

à flor da pele tropeço nos passos cansados.
à flor da pele trémulo e exausto
tapo todos os poros.
à flor da pele amordaço a esperança.
à flor da pele nado no suor derramado
lamento, encolho e sorvo a fraqueza.
à flor da pele conspiram lugares e olhares
mostro-me nu, estrangulo e mordo a inocência da carne.
mato!

à flor da pele, quebro e morro mais um pouco.
à flor da pele, procuro um rasto de ti.

(Rui Lopes Graça)

CONCERTO

Concerto, construído a partir de uma peça para cravo de J. S. Bach, é um bailado coreografado para três bailarinos e uma bailarina, em torno de uma mesa imponente, único ponto fixo como vórtice das dinâmicas e das tensões dos corpos.

A complexa relação das personagens resulta obviamente da variedade dos tempi de Bach: ora implacáveis e rápidos ora lentos e dilatados, numa explosiva mistura de aceleração de energia com lacerantes encontros passionais.
(Marco Cantalupo)

STROKES THROUGH THE TAIL

O misterioso título desta coreografia deve-se ao facto de Marguerite Donlon ter lido, num prefácio numa das edições da Sinfonia nº 40 em sol menor KV 550 para piano de Mozart, que este compositor imprimia traços (strokes), com a sua pena, sobre as notas musicais da partitura manuscrita, para indicar a forma particular de as interpretar. Esses traços cruzavam, em alguns pontos, as hastes (tails) da oitava e décima sexta notas.
A palavra tail em inglês refere-se igualmente à parte de trás de uma casaca (tailcoat) que nesta coreografia assume um papel da maior importância.
Munindo-se de casaca e tutu, Marguerite Donlon demonstra o modo como facilmente ligamos objectos indefesos com o conceito tipicamente masculino ou tipicamente feminino. Ou melhor, como rapidamente apreendemos um objecto como inadequado quando utilizado fora do seu contexto habitual.
Contudo, Strokes Through The Tail demonstra-nos que um homem em tronco nu, vestindo um tutu, pode tornar-se não só verdadeiramente cómico, como também marcadamente sensual. O mesmo se aplica no caso da mulher vestida de casaca. Marguerite Donlon (…) a destemida coreógrafa irlandesa está a romper as barreiras que dividem a dança e o cidadão comum. O seu trabalho afasta-se de qualquer ideologia artística e é incapaz de se tornar fastidioso. Lançando uma ponte entre clássico e cómico, avant-garde e o teatro de fantoches, é de tal modo divertido que os entusiastas desta bailarina, outrora pertencente à Companhia de Peter Schaufuss e à Ópera de Berlim, acusam-na de fazer as suas obras demasiado pequenas.

(Arnd Wesemann)

sábado, 26 de setembro de 2009

Definição do ofício da escrita

«”[…] Não há dúvida que ele tinha roubado as histórias, mas, pergunto eu, o que é que querem que os escritores façam? Isso é quase a definição do ofício da escrita. Os economistas pensam que os indicadores económicos são a metáfora para a humanidade. Os romancistas pensam que as histórias são os verdadeiros indicadores da existência humana. Chatwin considerava, correctamente, as histórias como paradigmas da humanidade.”»

Thomas Keneally citado na biografia de Bruce Chatwin, escrita por Nicholas Shakespeare

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes

São quase 500 páginas nas quais João Céu e Silva percorre as várias facetas do escritor.
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Intitulado Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes, o título que chega às principais livrarias portuguesas na hoje, dia 24, é fruto de três anos de entrevistas, nas quais o escritor fala sobre as pontas soltas da sua vida.

Nesta longa viagem António Lobo Antunes comenta, confessa e conversa com João Céu Silva, jornalista e escritor sobre a Angola que não esqueceu, a sua obra, o processo de criação de um escritor, os medos, as angústias, os amores e as mulheres, entre outros aspectos.

Com a chancela da Porto Editora, o livro tem um preço recomendado de €19.

Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar?

No ano em que António Lobo Antunes comemora 30 anos de carreira literária, a D. Quixote, relança no mercado dois títulos publicados originalmente em 1979: Memórias de Elefante e Os Cus de Judas.

Estas edições especiais terão uma tiragem de apenas 2 mil exemplares, dos quais 500 serão numerados e autografados pelo escritor. Os 2 títulos chegam às principais livrarias portuguesas na 2.ª feira, dia 28.

Por outro lado, o novo romance de Lobo Antunes designado Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar? (já escrevi um post antes - clicar aqui) chega às livrarias no dia 1 de Outubro.
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Sinopse da editora: «A acção decorre no Ribatejo, numa quinta onde se criam toiros. Uma mãe está a morrer e cada um dos filhos fala e conta a sua história, que se cruza com a história dos outros. Francisco, que odeia os irmãos e espera apropriar-se de tudo quando a mãe morrer; João, o preferido da mãe, pedófilo, que engata rapazinhos no Parque Eduardo VII; Beatriz, que engravidou e teve de casar cedo; Ana, a mais inteligente, drogada e frequentadora dos mais sinistros lugares onde se trafica droga.».
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Aqui fica um (delicioso) excerto:
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«Haverá noite para este dia digam-me, uma altura em que deixo de distinguir o salgueiro e depois do salgueiro a janela, os móveis desaparecem porque não acendemos a luz, ficam as pegas de metal a brilhar um momento, um frémito nas portas que ninguém gira, os meus irmãos procurando-se e eu em busca da saída dado que principiaram as dores e não acho o caminho da rua, apercebo-me do alpendre onde a lanterna baloiça na corrente, ao regressar ao baldio via-a na esquina e acalmava, estou a chegar, estou em casa, não me fazem mal já, o quintal fechava-se-me sobre o corpo e escondia-me, nenhuma cólica, nenhum suor, a paz e com a paz a indecisão da madrugada no peitoril
- Nasço não nasço?
a desistir, a pensar melhor e a mostrar um esboço de trepadeiras, que parentes no velório amontoando guarda-chuvas no pote enquanto o meu irmão Francisco modifica os livros das contas, não apenas guarda-chuvas, sobretudos que escorrem turvas lágrimas lentas, se calhar com dinheiro nos bolsos
(oxalá que dinheiro nos bolsos)
e a Mercília a ver-me procurá-lo indignada, explicar-lhe
- Não quiseram o que estava na tua mala sabias?
e as bengalas mais duras no tapete
- Nunca tiveste nada que prestasse és pobre
a minha irmã Beatriz indignada igualmente
(um automóvel frente às ondas e o marido a compor-se, a certeza de não haver dia para essa noite e lágrimas substituídas por um
- E agora?
sem fim)
uma ocasião roubei os botões de punho ao meu pai e em vez de ralhar-me a expressão dele
- Filha
compreensivo o cretino eu que não preciso de compreensão, quero lá saber que compreenda, preciso de, não preciso seja do que for e não me venham com tratamentos, tratamentos a quê, ando óptima, mesmo que não tivesse família e morasse sozinha, sem a lanterna do alpendre a anunciar de longe
- Estás quase salva Ana
(a propósito de lanterna quanto valerá aquilo, poeirento de besoiros queimados?)
era feliz garanto, emagreci, é normal, aumentaram-me os ossos, se não me apetecer ir ao baldio não vou e acabou-se, a minha mãe para o meu pai que hesitava entre eu e o Casino isto é o que julgava ser droga e o dezassete que a bolinha recusa
- Os botões de punho que te dei?
os olhos do meu pai noutro lado sem deixar de fitá-la para que não pensassem em mim
(não me rala que pensem em mim)
vasculhando mentiras, se tivesse o cavalo a jeito fazia sombra no mar e não se lhe notava a cara, o barulho dos
cascos quatro corações desengonçados e cada um
- Filha
não senti um pito quando faleceu, o que devia sentir, almoçava com os empregados feito da massa deles que mal sabiam falar e obedeciam sem revolta, acompanhava-os no baralho de que não se distinguiam os naipes atirando do alto uma manilha, um valete, um camponês chapado, uma espécie de bicho, que esquisito nascer de você, a minha mãe com a senhora das unhas toda gorjeios, risinhos, o meu pai sofria por eu não cumprimentar os colegas, ao mencioná-los não
- Os meus empregados
uma camaradagem que me punha os nervos em tiras
- Os meus colegas filha
não conversava e nas poucas alturas em que lhe escutei uma palavra
- Filha
o meu pai para a minha mãe a fingir admirar-se com a ausência dos botões

- Hei-de ver se os encontro
ou seja comprar uns iguais na vila ou que pelo menos dessem ar dos antigos, desenhou-os nas costas de um envelope
- Losangos de oiro com uma pedra no meio
quando era mais simples ir ao baldio por eles a magoar-se nos arbustos, repare nos meus braços onde não são só as picadas, são os espinhos, os galhos, pode ser que descubra o que vende o pó, negoceie, rebata e Deus queira que os pretos lhe joguem latas em cima, não senti um pito quando faleceu e não sinto um pito agora, talvez o medo de não haver noite para este dia e a minha mãe morta na cama sem gorjeios nem risinhos, torcida e de queixo aberto que eu vi
(nunca me ocorreu que lhe faltassem dentes calcule e sem a pintura tantas rugas, que idade tem você mãe, não disfarce a idade)
a camisa de rendas, dantes justa, a sobrar-lhe no peito, os meus irmãos procurando-se e os colegas do meu pai a trotarem para mim com os corações dos cascos desengonçados, dúzias de corações que me agitam o sangue, o do baldio
- Quanto?
desdenhando a oferta e o homem da gabardina a acordar no degrau puxando-lhe o casaco
- Trabalhei nos guindastes sabia?
a encher o ar de roldanas, a adormecer de novo e as roldanas mudas, apesar do Tejo nenhuma gaivota aqui, escapam-se de nós, evitam-nos, lagartixas, pardais, um cachorro ou dois claro, isto é um país de cachorros, tudo ladra senhores, até eu se a febre sobe, a gemer
(os animais não se suicidam porquê?)
não sinto um pito para além das dores, das cólicas e da alegria depois da seringa, não bem alegria aliás, uma espécie de sossego, o que vende o pó
-Anda cá
e não me importa ir, não o ajudo nem o empurro
(ajudaste o teu marido Beatriz?)
espreito-lhe sobre o ombro as nuvens que se fazem e desfazem exactamente como a vida e a sombra delas, não dos cavalos, em mim,
a minha pele escurece ao passarem e aclara-se intacta
(não vou morrer pois não?)
ao contrário da minha mãe nenhuma ruga por enquanto, a cicatriz na sobrancelha da queda em criança e a Mercília a segurar-me os cotovelos num gabinete com ferramentas num armário, o médico que tresandava a zaragatoa de anginas
(todos os médicos tresandam a zaragatoa de anginas e a borato de sódio)
munido de uma agulha curva no vértice de uma pinça
- Quieta
a consertar-me a ferida, a minha irmã Rita levantava uma ponta do adesivo
- Deixa ver o golpe
num horror fascinado, o meu pai quase
- Filha
a segurar as mãos uma na outra numa angústia que se palpava sem se atrever a espreitar
(livre-se de espreitar)
as mãos cheias de gordura e sangue com que ajudava os toiros pequenos a saírem das vacas, entendia-se que os animais sofriam porque uma das patas não cessava de tremer e as narinas pingavam, o meu irmão João admirado de canguru de borracha suspenso nos dedos, qual o motivo do céu não azul em lugar desta chuva, gotas que se acrescentam às gotas a espessarem o vidro impedindo-me de perceber o meu pai
- Macho ou fêmea?
limpando a cara na manga, interrogo-me se foi assim comigo
- Macho ou fêmea?
limpando a cara na manga, o maioral enquanto tento levantar-me nas perninhas que vergam, não conseguem,
conseguem
- Fêmea
e a minha mãe que vai morrer a lamber-me cansada, choverá até quando neste domingo de Páscoa, no baldio, mesmo com chuva
- Anda cá
e eu a espreitar-lhe sobre o ombro os pingos na lona agarrando ervas húmidas, o que pensará a minha mãe nesta altura, aposto que não há espaço nela para pensar e no entanto suponho que gorjeios, risinhos, uma palavra feita pedido de esmola ao telefone
- Porquê?
porque o mundo não se incomoda com a gente senhora nem com a gota que tomba de cada vez que um
- Porquê?
numa parte da minha mãe que nem estou certa que exista, o que sobeja quando não existimos, em que pensarei eu, este livro é o teu testamento António Lobo Antunes, não embelezes, não inventes, o teu último livro, o que amarelece por aí quando não existires, como esta casa é triste às três horas da tarde, toque na fêmea pai em lugar de tocar-me que ela sim, sua filha, não tenho pai, tenho uma colher na despensa com um isqueiro por baixo, um êmbolo, um elástico, um limão espremido e você tinha os cavalos e o dezassete fora da roleta, escolheu um número que não há, uma mulher que não há, filhos que não há, há os toiros mas os toiros são pedras moendo os campos com a boca, não há toiros também, o meu irmão Francisco a rasurar os livros, a soprar o pó da rasura e a escrever por cima, ao passar diante dele não levantou a cabeça, uma sobrancelha apenas, a cabeça no papel e a sobrancelha a mirar-me, o meu pai lavava-se na torneira do estábulo molhando as polainas, as botas, o toiro pequeno e a vaca farejavam-lhe numa delicadeza que me enternecia se conseguisse enternecer-me, ao correr o dedo na sobrancelha o relevo da cicatriz previne-me que eu sou eu e a zaragata regressa, que pretendem de mim as lembranças antigas, vejo um tanque com peixes, uma criança a brincar, a minha irmã Rita saltava à corda e eu sempre invejava-a, não podes mais saltar à corda Rita enquanto eu posso se me apetecer, logo que a febre desça continuo a enganar, o que vende o pó
- Não és capaz de andar direita ao menos?»

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sunset



If I only could be running up that hill...

Lula Pena


Lula Pena e Norberto Lobo voltam a cruzar-se, em palco, para mais um concerto excepcional e intimista. Apresentam um discurso conjunto, construído por acaso, que une o trabalho lírico, vocal e espiritual de Lula Pena às poéticas viagens internas de Norberto Lobo.

Sábado, 26 de Setembro de 2009
21:30
Teatro Viriato
Viseu

domingo, 20 de setembro de 2009

sábado, 19 de setembro de 2009

A nostalgia que nos convém

Cats on fire
Our Temperance Movement

01-Horoscope
02-Lay down your arms
03-Letters from a voyage to Sweden
04-Never sell the house
05-The steady pace
06-Tears in your cup
07-Garden lights
08-The bordes of this land
09-Our days in the sun
10-Fabric

Eis um excerto da crítica feita por João Bonifácio (ípsilon) ao CD dos Cats on Fire. Só o paralelismo com os The Smiths já é motivo de sobra para ouvir. Com nostalgia, claro!

«[…]
A cada canção descobrimos um dedilhado de guitarra eléctrica embrulhado em papel de embrulho nostálgico, ou então damos com fraseados de voz com um bolor que nos é conhecido.
(…) A banda cuja herança mais ensombra este delicioso pedaço de 10 canções são os Smiths. Estão na guitarra de "Horoscope", canção que abre o disco em registo de single imediato. Estão nos trejeitos de voz de "Tears in your cup", enorme canção de guitarras tremeliquentas. (…)

[…] Tudo no sítio: nada de riffs, antes linhas ondulantes de guitarras que tropeçam, melodias de voz ligeiramente afectadas, letras que versam com cuidado a tristeza tão grande deste oh-malvado-mundo que não nos ama, a juventude que está quase, quase a acabar e não a soubemos apreciar. Não por acaso, a nossa já acabou e só escapou do total aborrecimento graças às mesmas canções que hoje assombram os Cats On Fire - que nunca vão ser a próxima grande coisa de sítio nenhum, mas sabem tão bem agora mesmo.»

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Duas Faces - Quorum Ballet

Os Recreios da Amadora apresentam dias 19 e 20 de Setembro o programa “Duas Faces”, do Quorum Ballet, no qual serão apresentadas duas estreias absolutas: Excentric Concentric, da coreógrafa convidada Barbara Griggi e Graffiti, com a assinatura de Daniel Cardoso, director artístico da companhia.
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Recomendado!

Recreios da Amadora
Av. Santos Mattos, 2 – Venteira (junto à Estação da CP Amadora)
Sessões: 19 de Setembro: 21.30h /20 de Setembro: 16.00h
Bilhetes: € 10

Os Grandes Livros

Odisseia, a Divina Comédia, os Lusíadas - a grande literatura pode ser lida por todos nós, com uma pequena ajuda. Numa viagem fascinante ao longo de 2500 anos, Anthony O’Hear mostra-nos o caminho, na companhia de livros tão poderosos, emocionantes e cheios de erotismo como qualquer best-seller moderno.

Começamos por Homero, o pai da literatura ocidental. Depois, a tragédia grega, Platão, a Eneida de Virgílio e as Metamorfoses de Ovídio, fonte inesgotável de inspiração para a literatura e as artes plásticas europeias.

Através de Santo Agostinho passamos à Divina Comédia de Dante, um desvio ao mesmo tempo tenebroso e sublime pelo Inferno e pelo Purgatório, terminando na sua arrebatada visão do Paraíso. Chaucer, Camões, Shakespeare, Cervantes, Milton, Pascal, Racine e Goethe completam a tábua das personagens desta história fabulosa. Em qualquer dos casos, O’Hear traça um esboço paciente dos seus temas, aborda passagens cruciais e explica a importância imorredoura destas obras.

Mais do que uma grande obra de referência, esta é também uma história narrativa contada com um profundo amor pela literatura - e uma crença inabalável na sua capacidade de inspirar e enriquecer os nossos mundos.

Os Grandes Livros – Da Ilíada e da Odisseia, do Fausto de Goethe aos Lusíadas, uma viagem pelos 2500 anos da literatura clássica
Edição: Aletheia
Autor: Anthony O’Hear
Tradução: Maria José Figueiredo
N.º Pág. 517

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Tabacaria

«... saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.»

Álvaro de Campos
Tabacaria [excerto]

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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Óculos há muitos

By The Sartorialist

Algures na 6th Avenue, New York...

Iluminado

Inútil Paisagem
António Carlos Jobim

Mas pra quê? Pra que tanto céu?
Pra que tanto mar? Pra quê?
De que serve esta onda que quebra?
E o vento da tarde? De que serve a tarde?
Inútil paisagem
Pode ser que não venhas mais;
Que não venhas nunca mais...
De que servem as flores que nascem pelos caminhos?
Se meu caminho sozinho é nada...

Dança & Inovação

Quer uma boa notícia para começar bem a semana?

A partir de hoje e durante 10 dias é possível assistir aos ensaios da Companhia Olga Roriz no BES Arte & Finança, no Marquês de Pombal.

Em execução vai estar o projecto Solos, um conjunto de sets coreográficos, retirados de diferentes espectáculos, que culmina num espectáculo único a 24 de Setembro, às 21h30.
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O momento inclui ainda dois solos protagonizados pela própria Olga Roriz...
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Os solos a apresentar pertencem às peças: "Confidencial" (2004), "Daqui em Diante" (2006), "Inferno" (2008)," Nortada" (2009) e "Interiores" (2009).

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

E para onde vai a dança quando não estamos a olhar?

Aqui fica o genial artigo publicado no ípsilon, da autoria de Vanessa Rato. Fascinante.
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Deixo apenas uma nota: considero um pouco abusiva a comparação de Vera Mantero a Isadora Duncan efectuada por José Sasportes (isto sem qualquer desprimor pelo trabalho da Vera Mantero, que muito aprecio e aplaudo).

«É imaginar pinturas a serem retiradas das paredes dos museus ou livros a sair das lojas e bibliotecas no dia da morte dos seus autores. É imaginar um poema a não voltar a ser dito. Na dança, é assim - com a morte, as luzes de cena começam lentamente a apagar-se. Nos últimos meses perdemos Pina Bausch e Merce Cunningham, dois gigantes. Alguém sabe o que vai acontecer às obras com que mudaram o mundo?

"É preciso amar a dança para continuar a dançar. Não nos devolve nada, nenhuns manuscritos para guardar, nenhumas pinturas para pendurar nos museus, nenhuns poemas para serem impressos e vendidos, nada a não ser aquele momento fugaz em que nos sentimos vivos. Não é para almas instáveis." Merce Cunningham

Primeiro foi a surpresa, o choque, depois veio o pânico, com a mesma pergunta a passar pela cabeça de toda a gente: e agora?

Afinal, a quem pertence e como se preserva um tipo de legado que, por definição, é imaterial, um património como a dança, que existe apenas no momento em que o corpo de alguém a recebe?

A dança é uma questão de apropriação e, por isso mesmo, de constante contaminação e transformação. Uma dinâmica de vida. O contrário de morte. E, contudo...

26 de Julho de 2009: Merce Cunningham, um dos génios maiores da transformação da dança numa forma de arte moderna, morre em casa, em Nova Iorque, aos 90 anos.

30 de Junho de 2009: Pina Bausch, a voz mais transformadora e influente da dança europeia das últimas três décadas, morre inesperadamente em Wuppertal, na Alemanha, aos 68 anos, apenas cinco dias depois de se saber doente com um cancro.

21 de Novembro de 2007: Maurice Béjart, o último grande coreógrafo dos revolucionários Ballets Russes e ele próprio um dos mais influentes autores da Europa das décadas de 1960 e 1970, morre em Lausanne, na Suíça, aos 80 anos, depois de um mês de tratamentos cardíacos e renais intensivos.

Todos eles. E antes deles tantos outros. Martha Graham, José Limón, Alvin Ailey, Kurt Joos, Dominique Bagouet... É a nossa memória a empalidecer, a desaparecer aos poucos, e tentar travar esse processo tem sido como tentar segurar um punhado de areia demasiado volumoso para a nossa mão. Tudo a escapar-se-nos por entre os dedos.

"A tragédia da dança é que 99 por cento das peças produzidas desaparecem passados cinco anos [sobre a estreia]", dizia-nos a historiadora de dança norte-americana Lynn Garafola há apenas três meses, por altura do centenário do nascimento do Ballets Russes, a companhia-revolução criada por Sergei Diaghilev na Paris de 1909. "Quantas peças sobrevivem a uma temporada? Como se passam reportórios quando as instituições estão permanentemente a colapsar?", perguntava-se Garafola. Foi depois que começaram as mortes.

Merce foi previdente e taxativo. Com cada vez menos energia, confinado a uma cadeira de rodas devido aos problemas de artrite que tinha há décadas e longe da figura alta e esguia de longo pescoço cuja invulgar graciosidade de movimento foi em tempos comparada à de Nijinsky, sabia que o fim estava próximo. Organizou tudo.

Dois meses antes da sua morte anunciou uma estratégia de preservação patrimonial sem precedentes. Um chamado Living Legacy Plan segundo o qual deverão ser angariados junto de mecenas oito milhões de dólares a aplicar em acções metodicamente delineadas: a elaboração de um centro de documentação do seu percurso dos anos 1940 à actualidade; a remontagem de trabalhos seminais; uma última digressão mundial da Merce Cunningham Dance Company ao longo dos próximos dois anos; o encerramento da companhia no regresso a casa, com um plano de reconversão de carreiras; e, por fim, a transferência de todos os bens para o Merce Cunningham Trust, que fica com a gestão do legado do coreógrafo.

"O Living Legacy Plan é abrangente, multifacetado e - como o próprio Merce - pioneiro. Oferece um novo modelo para companhias de dança e outras organizações dirigidas por artistas que estejam em trânsito para uma existência pós-fundador", dizia em Abril, Trevor Carlson, director executivo da Cunningham Dance Foundation.

Agora, sem Merce, há quem diga que vai ser difícil conseguir fundos para um projecto a três anos. Mas, com 3,5 milhões de dólares reunidos, os directamente envolvidos mostram-se (infundadamente?) optimistas. "A companhia já tem perspectivas e está confiante de que vai conseguir os fundos necessários", dizia-nos há três semanas Leah Sandals, assessora de imprensa da fundação.

Segundo Leah, os 14 bailarinos neste momento no activo estudaram com Merce e estão preparados para continuar a ensinar a sua técnica, dando continuidade a uma linguagem de excelência extrema, enraizada numa ideia de movimento puro, seco de qualquer teatralidade ou pesquisa psicológica. É a estes bailarinos que caberá também assegurar a digressão já em curso e que em Novembro chega à Europa, incluindo a apresentação de peças como "Suite for Five" (1956-1958), a mais antiga do reportório da companhia e com figurinos de Robert Rauschenberg (Mónaco, dias 14 e 15 de Abril) e "Squaregame", (1976), uma obra muito raramente vista, estando por remontar quase desde a data da sua criação (Charleroi, Bélgica, 12 a 14 de Novembro).

Foi o plano de Merce, o visionário que deixou tudo o que pôde - textos, registos videográficos de espectáculos, aulas, ensaios e até uma série documental a ser difundida via Internet em que as suas motivações e técnicas são explicadas quer em testemunho directo quer pela voz de especialistas.

Palavras dele: "É de facto um problema como preservar os elementos de uma forma de arte que é realmente evanescente, que é realmente como a água."

Como a água, pois: perante as sucessivas mortes, a conhecida crítica de dança Judith Mackrell encontrou palavras particularmente clarividentes para expressar essa espécie de evaporação em que a dança sistematicamente se dissolve: "É imaginar a situação em que as pinturas de [Robert] Rauschenberg ou [Francis] Bacon fossem descidas das paredes no momento da morte desses artistas; é imaginar a situação em que os romances de Saul Bellow fossem retirados das estantes ou a música de Stravinsky fosse silenciada. Nenhuma outra forma de arte aceitaria por um segundo que a morte [de um autor] implicasse a possível morte da sua obra."

Da criação ao reportório

Poderá parecer um exagero falar em silêncio perante um plano como o deixado por Merce, mas parece bem menos um exagero perante a incerteza que paira sobre o Tanztheater Wuppertal desde a morte de Pina. "A única coisa que sabemos é que vamos manter as datas agendadas", dizia-nos há dias Ursula Popp, porta-voz da companhia, explicando que "nada do resto está decidido".

Depois de semanas em que a companhia teve a sua página na Internet suspensa, nesta vê-se agora um plano de espectáculos até Julho de 2010. Segundo Popp, Pina não deixou qualquer testamento ou vontade escrita no que toca ao seu legado: "É difícil dizer. Ela sempre quis que [a companhia] continuasse, mas não havia qualquer indicação específica."

Entre os bailarinos, o francês Dominique Mercy e a espanhola Nazareth Panadero são os mais velhos, estando em Wuppertal praticamente desde a fundação da companhia, em 1973; conhecedores profundos das metodologias e motivações da coreógrafa, seriam sucessores possíveis. Mas à frente de quê? De uma companhia de autor feita de reportório? Para esse cenário, há o exemplo do Béjart Ballet Lausanne onde nos últimos dois anos tem assumido as rédeas o bailarino francês Gil Roman, que esteve ao lado do seu mestre desde os anos 1960 até ao fim.

"As novas peças serão assinadas por ele, como já aconteceu em Dezembro de 2008, e o reportório será uma mistura entre herança e novas produções", diz-nos uma porta-voz da companhia. No site, contudo, há datas marcadas apenas até Outubro deste ano - o que resta da companhia de um autor que nos últimos tempos era visto como pouco mais do que "kitsch" mas que assinou obras de referência como "Sinfonia para um Homem Só" (1955), o primeiro "ballet" de sempre a utilizar música concreta.

José Sasportes, historiador de dança próximo de Wuppertal, traça um quadro igualmente negro para a companhia de Pina: considera "bastante provável" que não resista à falta de novas produções, base primeira da sua subsistência. "Durante um ano, dois, é natural que o interesse do público se mantenha [em relação às peças antigas], até como homenagem [à figura da coreógrafa], depois, quando não houver 'tournées' [com novas produções], a companhia acaba."

Optimismo zero: na opinião de Sasportes, encerrada a companhia, das cerca de 40 obras assinadas por Bausch ao longo dos últimos 36 anos, o mais expectável é que apenas três subsistam - "Orfeu e Eurídice" e "A Sagração da Primavera", ambas de 1975 e ambas oferecidas à Ópera de Paris, cuja companhia Pina instruiu pessoalmente e que em qualquer altura as poderá ter em cena, e "Kontakthof", uma peça de 1978 que a coreógrafa foi montando com diferentes grupos de intérpretes de diferentes idades em diferentes cidades.

Quase quatro dezenas de peças votadas ao desaparecimento, incluindo verdadeiros marcos da contemporaneidade como "Café Müller", de 1978 e a única peça em que vimos Pina dançar, ou "Palermo, Palermo", de 1989, a primeira da longa série de peças sobre cidades que acabaria por incluir Lisboa, com "Mazurca Fogo", em 1998. Chocante? É o que tem vindo a acontecer desde sempre. Afinal, quantas peças de Marius Petipa chegaram até nós?

À frente do Teatro Mariinsky, o "ballet" imperial de São Petersburgo, entre 1871 e 1903, onde ensinou e dirigiu bailarinos míticos como Nijinsky e Anna Pavlova, Petipa assinou mais de cinquenta produções, trabalhos financiados com milhões de rublos pela corte russa, à época a mais rica da Europa. Se o "ballet" é hoje entendido como uma forma de arte russa é, precisamente, devido a Petipa, que resgatou da decadência a tradição francesa e italiana, elevando-a ao nível de excelência e de fausto que hoje identificamos como o apogeu do clássico. E, contudo, para além de versões de "Giselle", "Coppélia" e "O Lago dos Cisnes", remontagens de obras pré-existentes, dos trabalhos de Petipa o público de hoje identificará pouco mais do que "A Bela Adormecida", de 1890, "O Quebra-Nozes", de 1892, e "Raimunda", de 1898.

Mais: apenas uma excepção entre autores do século XIX - a constituída por August Bournonville, à frente do Royal Danish Ballet entre 1828 e 1879 onde coreografou cerca de 50 peças, das quais à volta de 12 continuam hoje a ser interpretadas pela companhia, uma das mais antigas do mundo.

É ainda José Sasportes quem alerta: "A história da dança sempre se construiu sobre o efémero, sempre se deitou fora o que se fazia. Até ao fim do século XIX o que interessava era o novo. Mas os coreógrafos tinham discípulos, mantinha-se o modo de fazer."

Começar do zero

Discípulos, uma tradição passada de geração em geração: era a lógica anterior à hoje omnipresente estratégia das companhias centradas num autor e seus produtores que, para conter custos, contratam intérpretes apenas no momento das novas criações; é a lógica que começou a morrer com as grandes companhias de reportório, uma figura hoje em extinção perante a carência de apoios. O tipo de carência que levou, entre outras, à dissolução do Frankfurt Ballet, fundado em 1984 por William Forsythe, talvez o mais brilhante dos coreógrafos que continuam a trabalhar e reinventar o vocabulário clássico.

Depois de 20 anos à frente do Frankfurt Ballet, em 2004 Forsythe entendeu que os cortes de financiamentos estatais com que se confrontava comprometiam irremediavelmente a qualidade do seu projecto artístico. Optou por abandonar a companhia, criando outra, a Forsythe Company, com apenas 18 bailarinos, contra os 42 com que o Ballet de Frankfurt começou e os 34 a que estava reduzido na altura da dissolução.

"O que lamento é a falta de continuidade numa estrutura que estava tão bem organizada", disse à época o coreógrafo. Explicando: "Ao longo dos últimos 20 anos, passaram pela companhia 130 bailarinos. O conhecimento foi passado. A quebra disso é devastadora."

Vera Mantero, uma das mais consideradas autoras da chamada Nova Dança Portuguesa, talvez o único movimento artístico português de grande impacto internacional, menciona uma das consequências mais desconcertantes da falta de passagem de conhecimento na sua área: a permanente sensação de se estar a começar do zero (perspectiva dos criadores); isso ou o sentimento cíclico de estar a viver um "déjà vu" tendencialmente mais pobre do que a experiência original, acrescentaríamos nós (perspectiva do público).

Uma simples biblioteca: "Quando fui para Nova Iorque [nos anos 1980], no fim, quando já nem estava a fazer aulas de dança, passava a vida na biblioteca de artes performativas do Lincoln Center, a ver todas aquelas peças fantásticas dos arquivos de vídeo. Não há transmissão de conhecimento, não há ensino sem este tipo de ferramenta. Desaparece tudo o que foi feito sem que as coisas novas fiquem também registadas."

Em Nova Iorque há o Licoln Center e a Public Library, em Paris o arquivo do Centre National de La Danse, com fundos que vão do espólio de Lisa Ullman, colaboradora de Kurt Jooss e Rudolf Laban, a material de coreógrafos de hoje como Jérôme Bel, o Fundo Rodolf Noureyev e o Arquivo Isabelle Ginot, sobre Dominique Bagouet. Em Portugal, o Fórum Dança tem tentado manter um pequeno arquivo videográfico de novas produções, mas que nem sempre consegue actualizar, sobretudo em termos internacionais. De resto, o registo de algumas obras importantes da história da dança contemporânea portuguesa pode estar definitivamente perdido. Como acontece com "Gust", de Francisco Camacho.

Estreada em 1997 e considerada como uma das melhores produções de sempre da dança portuguesa independente, "Gust" acabou por ficar registada apenas num plano geral de qualidade fraca, imagem de "régie" sem pormenores individuais e, em termos logísticos, a ideia de uma reposição, ainda que apenas para filmagens, é complexa. Para além dos custos, há que ter em conta os 12 anos entretanto decorridos: com a morte da bailarina Paula Castro, há dois anos e meio, dos restantes 13 intérpretes originais - os que mais facilmente retomariam o espírito da produção -, dois, os mais velhos, estão retirados, e, das duas bailarinas mais jovens, uma não deu continuidade à carreira que estava então a começar.

Um problema de memória

Quando fazemos as coisas nunca pensamos que elas vão se vão tornar história", diz João Fiadeiro. A Re.Al, a produtora deste coreógrafo, revela algumas das marcas da história de precariedade da dança, em geral, e da dança portuguesa, em particular. Em caixas fechadas há anos, Fiadeiro tem cerca de duas mil cassetes - sobretudo VHS e Hi8 - de ensaios, "workshops", conferências-demonstração e peças ("o próprio impulso de filmar foi pensar: o.k., não sei para que é que isto serve, mas se não existir não fica nada", diz o coreógrafo), só que muito desse material, correspondente a cinco ou seis anos de actividade até 1998, pode estar (talvez irremediavelmente) corrompido: ficou submerso quando o Tejo inundou o Espaço Ginjal, onde a companhia teve sede, e continua guardado desde então. Da mesma forma, ao longo do tempo "desapareceu quase tudo" no que toca a figurinos e cenários, nomeadamente com o encerramento do Espaço A Capital, no Bairro Alto, onde a 29 de Agosto de 2002 a polícia entrou e deu ordem de encerramento imediato alegando falta de condições de segurança do velho edifício onde uma série de estruturas tentaram criar um centro artístico multidisciplinar. Nesse dia, os responsáveis pelo colectivo teatral Artistas Unidos abriram a bagageira de um Honda Civic e enfiaram lá dentro o essencial - dossiers, computadores e impressoras. No fim entraram eles e arrancaram. A Eira, a Re.Al e os outros fizeram o mesmo.

"Se não preservarmos as coisas agora, de facto, tudo se perde. É o problema da não inscrição da história, um problema de memória. Eu acho que as minhas peças têm uma autoria, são do João Fiadeiro, mas pertencem também à comunidade. É um património colectivo. Não pensei muito no que acontece ao meu trabalho quando eu morrer; mais do que o que lhe vai acontecer quando morrer, interessa-me o que lhe acontece enquanto estou vivo. Porque mesmo que eu não morra, esqueço-me. É um património que acho que compete também às escolas, à universidade, manter, preservar. De preferência enquanto estamos vivos."

Em Maio, Francisco Camacho deu um passo nesse sentido, quando teve oportunidade de dirigir uma reposição de uma das suas peças iniciais com alunos do Fórum Dança - "O Rei no Exílio", feito para a Europália, em 1992. Tal como com outras peças - "Com a Morte Me Enganas" (1994), "Dom São Sebastião" (1996)... - havia elementos de cenário e figurinos já perdidos. "Eu próprio tive que a aprender a peça de novo, porque já não me lembrava", explica o coreógrafo, dizendo ser um trabalho que considera não fazer sentido retomar ele próprio como intérprete: "Já não tenho idade, não tenho a energia jovem nem o perfil."

É outro problema que se levanta: a relação umbilical entre a linguagem dos coreógrafos e bailarinos contemporâneos e o seu próprio corpo e história ou a fisicalidade e bagagem referencial dos seus cúmplices. Ao contrário do que acontece com o clássico, com vocábulos específicos, que podem ser treinados todos os dias, passados 100 anos sobre o nascimento da dança moderna, a maioria dos autores de hoje usa nas suas criações um cruzamento extremamente multifacetado e idiossincrático de linguagens, um universo que acaba por ter mais a ver com uma posição na arte e no mundo do que com uma tradição propriamente dita.

Martha Graham, Cunningham e Limón desenvolveram técnicas de movimento. Já não é o caso de Pina, a quem devemos esse extraordinário facto de os bailarinos terem ganho voz, falarem e cantarem em cena. Não é também o caso da maioria dos autores portugueses. José Sasportes compara, aliás, Vera Mantero a Isadora Duncan, de tal forma a sua linguagem é pessoal: "A Vera é ela, aqui. É um caso de destruição natural."

É também, contudo, um caso raro de preservação de material: "Mantenho até todas as cassetes de ensaios, dos processos de trabalho. É impensável, para mim, apagar, gravar por cima. Tenho a noção de que vai ser preciso perceber como se chegou ali, saber porque é que [uma peça] existe assim. Cadernos, notas... Guardo tudo. Até diários de adolescência: têm coisas que são já a formação de ideias para o que queria fazer."

Tudo ali. E, contudo, será material morto se ninguém o retomar. Martha Graham costumava dizer: "Nenhum artista está à frente do seu tempo. Ele é o seu tempo; são os outros que estão atrasados." No caso da dança é fundamental que não nos deixemos atrasar demais. Ela não fica à espera. Foi.»

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

CNB: "dançar o país"








Soberbo

Orienta-te, rapaz

«E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele. Pai. Nunca envelheceste, e eu queria ver-te velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as árvores, a regar as flores. Sinto tanta falta das tuas palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer, em vagas de luz, espraia-se na terra que te acolheu e conserva. Chora chove brilho alvura sobre mim. E oiço o eco da tua voz, da tua voz que nunca mais poderei ouvir. A tua voz calada para sempre. E, como se adormecesses, vejo-te fechar as pálpebras sobre os olhos que nunca mais abrirás. Os teus olhos fechados para sempre. E, de uma vez, deixas de respirar. Para sempre. Para nunca mais. Pai. Tudo o que te sobreviveu me agride. Pai. Nunca esquecerei.»

José Luís Peixoto
In Morreste-me, Lisboa, Temas e Debates, 2001

Voltas à chave

«O que eu gostava que estivesses aqui, sentir-te na sala, no quarto, ouvir os teus passos no corredor, assistir ao teu sorriso ao entrares depois de duas voltas à chave por causa dos ladrões

[…]

e apesar das duas voltas à chave a experimentares a solidez da porta, desconfiada, séria, a guardares a chave na carteira

(que confusão a tua carteira, óculos escuros agenda facturas óculos de ver ao perto estojo de pintura aspirinas)

e então sim, impedidos os ladrões de chegarem, a sorrires-me, um sorriso diferente dos outros porque, do lado esquerdo da boca, uma pontinha de dentes a assomar. Do lado direito um sorriso normal e do lado esquerdo um canino ou isso, o vértice de um canino, a brilhar. Talvez haja quem ache isso feio, eu acho lindo.

[…]»

António Lobo Antunes in Visão

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Audições para bailarinos - reminder

A Primavera - Sandro Botticelli

A SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA de Olga Roriz
Audições para bailarinos de ambos os sexos

8, 9 e 10 de Out de 2009 - sala de ensaio do grande auditório do CCB
Informações: (+351) 218482318 / companhiaolgaroriz@sapo.pt

Período de Criação - Março, Abril e Maio 2010
Estreia no Grande Auditório do C.C.B. a 29 e 30 de Maio, 2 e 3 de Junho de 2010

Booker Prize - shortlist

Tal como referi num post anterior, onde apresentei a longlist dos romances candidatos ao Booker Prize, a shortlist foi publicada ontem (dia 8).

Assim, os finalistas do Booker Prize são:

The Children's Book, de A.S. Byatt
Summertime, de J.M. Coetzee
The Quickening Maze, de Adam Foulds
Wolf Hall, de Hilary Mantel
The Glass Room, de Simon Mawer
The Little Stranger, de Sarah Waters
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O vencedor será divulgado a 6 de Outubro...

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O que ando a ler


[...] porque estás triste? Não estou. Vou à janela da marquise, olho em baixo as árvores trémulas de luz - gosto tanto desta música. Ouvi-la até me entrar no sangue, por que estás triste? E como se de o não saber, mais triste assim. Oh, não, melancolia, agora não. Ser simplesmente um homem. Com alegorias pequenas e grandes, chatices quotidianas e das que dão a volta à vida toda - na coragem simples de existires. Mas esta súbita solidão, instantâneo o desamparo a toda a roda em deserto. Os bons propósitos, pois, os bons propósitos. São sempre despropositados. Sente-se com o corpo todo e com tudo o que está nele. Mas pensa-se com um mecanismo qualquer independente que se compra nas lojas do pensar. Excepto se. Não penses. De qualquer modo, de novo no sofá - e que hei-de eu fazer? Pensar [...]

Vergilio Ferreria
Rápida, a sombra (excerto)

Cover

Muito melhor o cover que o original. Soberbo!


Livros a meio

Uma revista inglesa de consultório de dentista (estão a ver o género… lol) realizou um inquérito do qual resultou a lista dos 10 livros que mais vezes terão sido abandonados a meio da leitura:

1- Harry Potter and the Goblet of Fire, J.K. Rowling
2- Ulysses, James Joyce
3- Vernon God Litle, D.B.C. Pierre
4- Captain Corelli’s Mandolin, Louis de Bernière
5- Cloud Atlas, David Mitchell
6- The Satanic Verses, Salman Rushdie
7- The Alchemist, Paulo Coelho
8- War and Peace, Lev Tolstoy
9- The god of Small Things, Arundhati Roy
10- Crime and Punishment, Fyodor Dostoievsky

A lista vale o que vale… A mim parece-me surpreendente e desconcertante… De notar que alguns dos livros também costumam aparecer na lista dos livros mais vendidos e mais lidos de sempre…

Aliás, como é possível deixar a meio, por exemplo, “Vernon God Litle”? Ou então o “The god of Small Things” ou o “The Satanic Verses”???

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Y

capa do ípsilon da próxima 6ª feira...

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Contos para ler à noite

Kazuo Ishiguro explora nesta obra os temas do amor, da música e da passagem do tempo. Lições de vida e a vida em lições de mestria narrativa, de um autor já descrito pelo New York Times como «um génio extraordinário e original».

Trata-se de um conjunto de 5 contos: das praças italianas às colinas de Malvern, de um apartamento londrino à zona "reservada" de um luxuoso hotel de Hollywood, encontramos nestas páginas uma singular galeria de personagens – de jovens sonhadores a músicos de café e a vedetas em declínio – num momento particular de reflexão e de reavaliação das suas vidas.
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Terno, íntimo e cheio de humor, as histórias são marcadas por um tema recorrente: o esforço para preservar o sentido do romance na vida. É um livro para quem se recusa a perder a esperança e teima em ver o lado positivo de tudo o que de bom e mau sucede.
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Nocturnos
Kazuo Ishiguro
Edição: Gradiva

O silêncio da noite

Durante muito tempo fui para a cama cedo. Por vezes, mal apagava a vela, os olhos fechavam-se-me tão depressa que não tinha tempo de pensar: «Vou adormecer.» E, meia hora depois, era acordado pela ideia de que era de tempo de conciliar o sono; queria poisar o volume que julgava ter nas mãos e soprar a chama de luz; dormira, e não parara de reflectir sobre o que acabara de ler, mas tais reflexões haviam tomado um aspecto um tanto especial; parecia-me que era de mim mesmo que a obra falava: uma igreja, um quarteto, a rivalidade entre Francisco I e Carlos V. Esta crença sobrevivia alguns segundos ao despertar; não me chocava a razão, mas pesava-me nos olhos como escamas, e impedia-os de verificar que a palmatória já não estava acesa. Depois começava a tornar-se-me ininteligível, tal como, após a metempsicose, os pensamentos de uma existência anterior; o assunto do livro soltava-se de mim, e ficava livre de me adaptar ou não a ele; logo recuperava a vista, e ficava muito admirado de encontrar em meu redor uma obscuridade, doce e repousante para os olhos, mas talvez ainda mais para o espírito, ao qual se revelava como coisa sem causa, incompreensível, como coisa verdadeiramente obscura. A mim mesmo perguntava que horas poderiam ser; ouvia o apito dos comboios que, mais ou menos afastado, como o cantar de um pássaro numa floresta, acentuando as distâncias, me descrevia a extensão dos campos desertos onde o viajante se apressa para a próxima paragem; e o estreito caminho para onde segue vai ficar-lhe gravado na memória pela excitação que deve a lugares novos, a actos inusitados, à conversa recente e às despedidas à luz do candeeiro alheio, que o acompanhavam ainda no silêncio da noite, à doçura próxima do regresso.


Marcel Proust
Em busca do tempo perdido (volume I) - Do lado de Swan [excerto]
Tradução de Pedro Támen
Edição Relógio de Água

Perto da Felicidade

Do mesmo autor de Revolutionary Road, encontra-se disponível pela Quetzal um outro título: Perto da Felicidade.

Cold Spring Harbor é um subúrbio tradicional de Nova Iorque, o pano de fundo de um retrato da América dos anos quarentas, na ressaca de uma guerra e sob a ameaça de outra. Charles Shepard é um militar na reforma, que vive resignadamente a frustração de nunca ter combatido; Gloria Drake é uma mulher abandonada à solidão e à proximidade da loucura, fumando e falando sem cessar; Evan Shepard é um jovem à deriva, que procura uma formação superior, mas a quem os casamentos, que faz e desfaz distraidamente, travam o passo; Rachel Drake entrega-se a um marido imperfeito e ausente, tentando cumprir o papel da «esposa perfeita». Nesta América deprimida e imóvel, cada um desempenha o papel que lhe cabe desempenhar. Porém, no coração de alguns brilha o desejo e germina a semente de um futuro maior.

Perto da Felicidade - Cold Spring Harbor
Richard Yates
Quetzal, colecção serpente emplumada

Temporada CCB 2009/2010


Os artistas associados da nova temporada são o coreógrafo Rui Horta e a companhia Teatro Praga. Cada um deles irá produzir 3 criações de pequena, média e grande dimensões.

No âmbito da dança, o CCB irá apresentar trabalhos de Lia Rodrigues, Leonor Keil e Amélia Bentes, para além da coreografia de Olga Roriz para A Sagração da Primavera, bem como 3 produções internacionais.

A oferta teatral inclui Jorge Silva Melo e Solveig Nordlund (com uma peça de Marguerite Duras).

Relativamente à música, residência para Divino Sospiro, Orquestra de Câmara Portuguesa, Orchester Utopica e agrupamento de câmara Schostakovich Ensemble. Destaque ainda para o jazz, música erudita, ciclos, festivais e literatura.