Juan José Millás sempre quis ser leitor. Afinal, nunca quis ser escritor.
Tornou-se escritor, mas continuou a ler muito e conheceu outros mundos, que nos dá agora a ler em “O Mundo”, uma autobiografia ficcionada. Tudo começou quando o "El País" lhe pediu uma reportagem sobre si próprio, a qual nunca foi escrita. Em vez disso, saiu um "romance" em que a personagem principal é ele e a sua obra.
Diz-se que enquanto se lê "O Mundo", somos constantemente confrontados com a nossa falta de mundo. Se calhar é verdade. Se calhar é disso que precisamos. Se calhar é um dos melhores livros de 2009.
Alguns excertos:
"Há livros que fazem parte de um plano e livros que, tal como um carro que passa no semáforo encarnado, se atravessam violentamente na nossa existência".
"Todo o livro é, de certo modo, uma ferida e a sua cicatriz ao mesmo tempo”.
"Estava tudo estragado. Quando eu nasci, o mundo ainda não estava estragado, mas não demoraria a estar. Sou o quarto de uma família de nove".
"Quando comecei a escrever, já estava tudo estragado: estragadas as vidas dos meus pais, isso era evidente, e estragadas as nossas, pois tínhamos sido violentamente arrancados da classe social e do lugar a que pertencíamos".
"Eu não era um deles. Eu não era dali. Mas de onde era?".
"Quando escrevo à mão, num caderno, como agora, acho que me pareço um bocado com o meu pai quando estava a experimentar o bisturi eléctrico, pois a escrita abre as feridas e cauteriza-as ao mesmo tempo".